Na avaliação de profissionais do mercado financeiro, 2022 tem tudo para ser um período
marcado pela alta volatilidade na Bolsa, como tradicionalmente costuma ser em anos de
eleição
no país.
O cenário externo menos benigno do que se imaginava,
com
a desaceleração na China
e a
alta
dos juros nos EUA
, coloca ainda mais lenha nessa fogueira.
Para aqueles investidores que buscam algum tipo de proteção contra os chacoalhões previstos
à frente, a recomendação de especialistas costuma passar por uma carteira o mais
diversificada possível, que busque maximizar a expectativa de retorno com o mínimo risco. A
chamada busca pela fronteira eficiente.
Neste sentido, uma alternativa que vem se mostrando capaz de navegar bem por momentos de
maior incerteza são os fundos quantitativos.
Em vez de ser o gestor a tomar as decisões de qual ação comprar e vender com base em sua
intuição e experiência de mercado, influenciado, naturalmente, pelo cenário macroeconômico
que o rodeia, nos fundos quantitativos, o modus operandi é bem diferente.
Neles, as escolhas de investimento são tomadas com base em modelos matemáticos elaborados
internamente e testados à exaustão. Esses modelos, por sua vez, se valem de um trabalho de
pesquisa histórica de dados macro e microeconômicos, de modo a identificar as grandes
tendências de mercado, que tendem a se repetir de alguma forma com o passar do tempo.
“O fundo quantitativo diz respeito à tomada de decisões de investimento de forma
sistemática, com base no desenvolvimento de algoritmos que vão definir, para cada
circunstância de mercado, os ativos que o fundo deve comprar ou vender e qual o tamanho de
cada posição”, diz Rodrigo Maranhão, sócio da gestora Kadima Asset Management.
Uma das pioneiras neste tipo de estratégia no país, tendo iniciado as atividades em meados
de 2007, a Kadima tem hoje cerca de R$ 4,2 bilhões em ativos sob gestão em fundos
quantitativos multimercados, de ações e de previdência.
Maranhão diz que vê como grande vantagem da estratégia, em relação aos fundos de mandato
discricionário, a redução dos vieses cognitivos, ou vícios comportamentais, que mesmo os
gestores profissionais estão sujeitos em suas tomadas de decisão.
Em especial, naqueles dias de
forte
estresse nos mercados, quando a maior aversão ao risco predomina
e há uma fuga dos
ativos mais voláteis.
Maranhão assinala que os fundos quantitativos conseguem analisar uma quantidade extensa de
dados, muito maior do que qualquer ser humano conseguiria dar conta sozinho, e de forma bem
mais rápida.
É com base nessas análises que os gestores modelam os algoritmos que, no fim do dia, são os
grandes responsáveis por apontar as melhores oportunidades a cada mudança nas premissas de
mercado.
“É como se cada algoritmo fosse um trader especialista em um mercado, com diferentes
posições que podem mudar muito rapidamente”, diz Maranhão.
À prova de crises
O gestor da Kadima afirma que, pela forma como são construídos, normalmente os fundos
quantitativos tendem a apresentar um comportamento bastante descorrelacionado da média de
mercado, contribuindo dessa forma para a efetiva diversificação da carteira do
investidor.
Poucos meses após o início das atividades, o fundo da Kadima passou por seu batismo de fogo,
com a eclosão da crise global deflagrada pelo setor imobiliário americano em 2008.
Na ocasião, o fundo conseguiu se sair muito bem. Naquele ano, quando o Ibovespa tombou
41,2%, o multimercado da Kadima teve uma rentabilidade positiva de 23,5%.
No caso do fundo multimercado de gestão “quant” Seival FGS Agressivo, que iniciou as
operações em dezembro de 2009, o modelo conseguiu provar sua eficiência em um ano de
turbulência extrema como foi 2020.
Em meio a sessões de altas e baixas históricas na Bolsa frente às incertezas trazidas pela
pandemia, com o Ibovespa chegando ao fim do ano com 2,9% de ganho acumulado, o Seival
Agressivo rendeu 36,1% no período.
Sócio fundador da Seival Investimentos, Carlos Chaves explica que o fundo é programado para
atuar como um seguidor de grandes tendências de longo prazo, podendo se beneficiar tanto de
um ciclo de alta, como também de baixa nos preços dos ativos.
“A gente busca o desequilíbrio entre oferta e demanda, causado seja por medo, seja por
ganância”, diz Chaves.
O multimercado da gestora navega por quatro classes –moedas, juros, ações e commodities– com
liberdade para adotar posições conhecidas no jargão de mercado como “compradas”, que ganham
em movimentos amplos de valorização dos ativos, ou “vendidas”, que se beneficiam dos
momentos de queda generalizada nos preços.
“Em uma analogia com o futebol, gosto de comparar nosso fundo com a posição do volante
moderno, que pode chegar na área para ajudar o time no ataque, como também recuar e atuar na
defesa”, diz Chaves.
Ele enfatiza que a proposta não é fazer qualquer tipo de previsão sobre o comportamento
futuro dos mercados, mas sim tentar identificar qual a tendência que deve prevalecer em
determinado momento.
O gestor do Seival diz que hoje as principais apostas no portfólio apontam para um cenário à
frente de juros mais altos em escala global, com valorização do dólar e queda nos preços das
ações locais.
“Corte as perdas rapidamente e deixe os lucros rolarem”, afirma o gestor do Seival, fazendo
menção à filosofia de investimento da casa, que se baseia na heurística atribuída a David
Ricardo, economista britânico que viveu no século 18.
Evolução do mercado
Sócio fundador da Giant Steps Capital, Rodrigo Terni diz que não vê mais sentido em se
referir a determinada gestora como sendo ou não adepta da estratégia quantitativa.
Em um mundo com um nível de informações cada vez maior para ser administrado, Terni afirma
que o gestor que se fiar somente na intuição e na experiência, sem se atentar para a
necessidade de inserir novas ferramentas para aperfeiçoar o trabalho, não vai conseguir
fazer frente aos pares em um futuro próximo.
“Percebemos que ainda tem algumas gestoras brasileiras com certa dificuldade de perceber
que também são empresas de tecnologia, que acham que são negócios de geração de caixa com um
grupo de pessoas inteligentes que desenvolveram uma estratégia de investimento que funcionou
e vai funcionar para sempre. A gente acha que não é o caso”, diz Terni.
Segundo o sócio fundador da Giant Steps, a gestora tem investido pesado nos últimos anos,
tanto em infraestrutura própria, para ter a maior agilidade possível no processamento da
montanha de dados gerada diariamente, bem como em mão de obra qualificada.
A gestora vem patrocinando jovens estudantes brasileiros em competições de matemática, de
modo a estimular uma nova geração de talentos, que não se veja tentada a sair do país para
ter destaque na carreira profissional, diz Terni.
A Giant Steps Capital é hoje a maior gestora de fundos quantitativos do país, com cerca de
R$ 7 bilhões em ativos sob gestão, tendo recentemente recebido um aporte de capital da XP
para acelerar a expansão do negócio.
O sócio conta que está nos planos utilizar a injeção de capital para expandir o modelo de
atuação, com um centro de pesquisas em Nova York e melhorias na infraestrutura operacional
da companhia, aumentando em milésimos de segundos a velocidade com que as ordens de compras
e vendas são concretizadas. “Queremos estar na fronteira do conhecimento quando se trata de
tecnologia e matemática.”
Interferência humana
Fundada em 2021 pelo ex-presidente da Itaú Asset Rubens Henriques, a gestora Clave Capital
lançou na última quinta-feira (30) o fundo Cortex, cuja proposta também é de se valer da
eficiência da abordagem sistemática para a gestão das carteiras.
No caso do fundo da Clave, contudo, a capacidade analítica humana dos gestores em relação ao
cenário macroeconômico e quanto às empresas em Bolsa em particular, também é levada em conta
para a construção da carteira, em uma espécie de modelo híbrido.
Diretor de investimentos responsável pela estratégia do Cortex, Moacir Fernandes explica que
a proposta do produto é atacar eventuais falhas que eventualmente possam haver na análise
histórica dos modelos matemáticos.
Tendo atuado por oito anos no desenvolvimento e implementação de estratégias quantitativas
na gestora especializada Murano antes de se juntar à Clave, Fernandes dá como exemplo para
ilustrar o raciocínio os aplicativos que indicam as melhores vias para economizar tempo no
trajeto de carro pelas cidades.
Embora os aplicativos geralmente indiquem o caminho com menos trânsito, o gestor lembra que
não é raro o caso em que a inteligência artificial acaba indicando rotas que passam por
regiões perigosas ou esburacadas. Por isso, ainda que gerem alguma economia de tempo, talvez
seria melhor que tivessem sido evitadas, aponta Fernandes.
“A interação com os gestores não muda o espírito sistemático da estratégia, mas pode nos
ajudar a evitar eventos de cauda, como as zonas mais perigosas no exemplo do aplicativo”,
diz o gestor da Clave.
De toda forma, ele diz não esperar que as interferências humanas ocorram com muita
frequência, agregando principalmente em situações extremas de mercado que dificultem a
leitura com base apenas na análise quantitativa. Ou quando o time da Clave dedicado ao
mercado de ações tiver apontamento específico a respeito de algum ativo que ainda não tenha
sido capturado pelos modelos matemáticos.
Maranhão, da Kadima, diz que, embora não tenha havido outra pandemia de coronavírus que
possa ser utilizada como referência prévia para a modelagem dos fundos quantitativos, já
houve no mercado diversas situações de
forte
aumento da volatilidade e da incerteza dos investidores
.
Ele acrescenta que, ao longo de sua trajetória, os melhores momentos dos fundos da gestora
foram justamente em fases conturbadas em termos econômicos ou políticos, na esfera local ou
global. “A história não se repete, mas ela rima”, afirma o gestor da Kadima.
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